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E no início era o verbo

En archên en ho lógos

No princípio era o verbo, está escrito no Evangelho de São João. “No princípio era o OM” dizem os tibetanos. Quando o som humano adquire um significado compreensível, ele se transforma em palavra. Kandinsky descobriu que “a palavra é o som interior”. Jean Gbser disse que “na medida em que nos aproximamos da estrutura mágica, as imagens desaparecem…só resta um meio de nos aproximarmos delas: o som. 

Representação do OHM

O linguista Arnold Wadler disse o seguinte: “O Começo do Evangelho de São João, “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava em Deus”, significa uma verdade totalmente real para os homens antigos, pois estes ainda estavam conscientes da natureza e da origem da palavra.

No livro Gênesis lemos “E Deus disse…” A palavra dita por Deus foi luz. “E fez-se a luz”

A palavra “luz” e as palavras som e logos remontam à mesma raiz primordial: 1-e-g.
Eis algumas inúmeras palavras que provêm dela: luz, Licht, Logos, lychne, lucere(brilhar), lex(lei), lesen(ler) o grego legein (fala, ler, contar) que, por sua vez se tornou a raiz da palavra religião, religio. 

O que fazemos aqui corresponde a um conhecimento que existe em toda história da humanidade desde Confúcio até Goethe. Segundo o monólogo Sukie Colegrave, Confúcio achava que embora as palavras contenham o autêntico significado que reflete as verdades absolutas do universo, a maioria das pessoas perdeu o contato com essas verdades e, portanto, usa a linguagem de acordo com suas próprias conveniências. Ele percebia como isso provocava pensamentos errôneos, julgamentos falsos e ações confusas, o que, finalmente, fazia com que “as pessoas erradas alcançassem o poder político”.

Embora provenha de uma fonte linguística diferente, o seguinte exemplo também flui em meio à corrente deste capítulo. A palavra latina cantare em geral é traduzida por cantar. No entanto, seu significado original era “fazer magia, criar através da magia”.

Podemos perceber a transmutação que deve ter ocorrido em algum lugar do tempo. No processo de fazer magia através dos sons primevos criando metamorfoses através dos sons, o homem musicalizou esses sons, ele cantou. Carmen, a poesia, originalmente significava “fórmula mágica”e, ainda atualmente, tem esse significado em muitas culturas.

Os índios huichol do México usam a palavra espanhola cantor para indicar o “mago”, o xamã, levando assim a palavra de volta à sua origem latina. Obviamente, ouviram a linguagem e captavam o significado primitivo de suas palavras. 

As palavras “poeta”, “cantor” e “mago” remontam à mesma raiz linguística, não só em latim mas também em muitas outras línguas. Com bastante frequência, elas tem o mesmo significado, o que é bastante compreensível, se considerarmos a principal ferramenta dos magos, ou seja, mais precisamente, a linguagem ou, mais exatamente, a palavra. Mais do que poções mágicas ou encantamentos, mais do que gestos ritualísticos e ervas, é uma simples palavra que cria a magia. Em geral, não se trata de uma sentença completa, mas de uma única palavra que se torna eficaz como um som ou um mantra. Desse ponto de vista, inclusive, o som possui uma verdadeira força, nas religiões mundiais, como logos e mantras: para os magos e xamãs, como uma palavra mágica ou fórmula de magia…

 

Como dissemos, tudo isso é verdadeiro para todas as línguas e famílias de palavras. Por exemplo, a palavra alemã “name” (nome) com todos os seus derivados. Também na raiz totalmente diferente cantare, está a força criativa, modificadora e “mágica” da palavra Nam, em última análise, em hebraico não significa apenas “falar”, mas também a proclamação solene de um oráculo Nabha e Nawa designando a palavra profética, a visão criativa. Numen, em latim, não só significa o signo celestial, mas também se refere ao destino humano modificado, “numinoso”, escrito no céu. Na antiga língua eslava, nebo significava céu. E até mesmo Edda, o antigo poema épico germânico, encontramos nefna, que não só significa “nomear” mas também “proclamar solenemente”. A sílaba seminal nam, nef, num aparece em línguas do Extremo Oriente, mais precisamente na palavra nemustu do budismo japonês, o “nome do Buda”. Nesse contexto, a palavra significa exatamente aqui de que estamos falando aqui: o nome que invoca o Buda. Pronunciar o nome divino basta. A palavra tem esse poder, principalmente se acompanhada da expressão Buddha – Butsu.

 

Também nos homens modernos resta um pouco de consciência quanto ao fato de um “nome” não designar apenas como alguém se chama: dar um nome a alguém é um ato significativo e misterioso, algo criativo. Seria difícil descobrir um pai ou uma mãe que de fato não se importassem se a filha se chama Maria ou Sabine ou que tenha qualquer outro nome. Há resquícios desse fato no ato do batismo. Se, contudo, interpretarmos o nome racionalmente, veremos que ele só tem a função de distinguir uma criança da outra. No entanto, seja como for, o nome parece ter um significado mais profundo: atualmente poucas pessoas sabem do que se trata, mas os pais sentem sua influência quando, a cada novo nascimento, surge a questão de batizar o filho e este é um assunto sério: Como vamos chamar nosso filho.

O som faz parte da criação do humano, ele perpassa gerações e culturas. Hoje, na sociedade ocidental, ele perdeu importância, não por a toa, as relações humanas se tornaram rasas e fúteis. Redescobrir o sentido do som do ponto de escuta espiritual é seguir o caminho nesta nova revolução, já iniciada.

Este post cita textos do livro Nada Brahma de  Joachim-ernst Berendt.

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